No dia 8 de abril, 26 alunos de uma escola estadual do Recife foram atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), com falta de ar, tremor e crise de choro. Eles foram atingidos por uma crise de ansiedade coletiva, durante a semana de provas.

Já em Mato Grosso, um comportamento irresponsável tem repercutido entre os adolescentes. Pelo menos 3 casos já foram registrados de estudantes que criam perfis falsos nas redes sociais, ou escrevem mensagens no banheiro, afirmando que um “ataque” ou “massacre” iria acontecer na escola.

Alguns fenômenos na psicologia podem ser desencadeados de forma coletiva, segundo explicou a psicóloga Darlleny Maciel. Especialista no atendimento de adolescentes, ela diz, em entrevista ao RD News, que existe um contexto social que precisa ser levado em consideração nesses casos. Além disso, a adolescência é uma fase de transição, que foi muito afetada pela pandemia da covid-19, mexendo diretamente com as emoções e relações destes jovens. Em todo caso, diálogo e acolhimento são essenciais para ajudar o adolescente que está passando por um período de conflito.

Estudantes de uma escola estadual em Recife foram socorridos pelo Samu, durante uma crise de ansiedade coletiva. Como e por que isso pode acontecer?

Partindo de uma explicação por meio da terapia cognitiva comportamental, a TCC, onde se entende que está tudo interligado, o pensamento, sentimento e comportamento, diante da interpretação dos fatos, entendemos também que a ansiedade é uma emoção que adquirimos ao longo da vida, das nossas experiências e vivências.

Podemos dizer que existe ansiedade adaptativa e desaptativa. A adaptativa, consideramos como uma ansiedade saudável, um frio na barriga, diante de um acontecimento novo, desconhecido. A desaptativa que começa a nos causar prejuízos físicos e emocionais, por exemplo, como sono desregulado, alimentação alterada e acompanhada por alguns sintomas, como tremores, dificuldades em respirar, coração acelerado, medo e incerteza do futuro e também pensamento acelerado. Onde existe uma tensão maior, que vale observar a frequência e intensidade desses sintomas, porque tratamos os sintomas, e não a ansiedade em si. É importante investigar e explorar o meio em que esses adolescentes estão inseridos, para podermos entender melhor o que levou a essa crise coletiva.

Recentemente, várias escolas em Mato Grosso registraram casos de adolescentes “propagando” ataques, seja em perfis falsos ou na porta do banheiro. Depois, afirmavam que era brincadeira. O que explica esse comportamento?

Segundo Papalia e Martorell, no livro do Desenvolvimento Humano, eles dizem que a adolescência é a transição do desenvolvimento entre a infância e vida adulta, que impõe grandes mudanças físicas, cognitivas e psico sociais. Eu sempre digo que essa transição costuma ser conflituosa. É importante ficar atento, avaliar e observar a mudança de comportamento no adolescente, não só como crise de ansiedade, ou a TAG, que é o transtorno de ansiedade generalizada, mas sim, considerando que todo transtorno mental tem causa multifatorial e também podem desenvolver nessa fase.

A pandemia ajudou a agravar problemas de saúde mental ou comportamento dos adolescentes?

Sim, claro. Não só os adolescentes, mas também nas crianças, nos adultos e nos idosos. Acredito que na maioria da população mundial. Falando dos adolescentes, vale considerar esse distanciamento social, mudança de rotina e toda a perda financeira de algum membro familiar devido à pandemia. Estamos falando de uma doença totalmente nova e desconhecida, onde estudos estão sendo desenvolvidos após o surgimento desse vírus. E ele não veio só por um momento e acabou. Todos os dias você vê uma nova notícia de uma nova mutação, e claro, ainda bem que através da ciência conseguimos as vacinas e que hoje tem se mostrado bastante eficaz.

Imagina vivenciar e presenciar toda essa situação no seu âmbito sócio familiar? E não ter muito que se fazer? E sim, se proteger e proteger os seus, que já é o suficiente para que o vírus não contamine mais. O vírus veio acompanhado de muitas experiências ruins e sentimentos de incertezas. Então isso impactou bastante a saúde mental dos adolescentes, das crianças, de todo mundo. E todo mundo muito perdido no que fazer, então não tem como não causar impacto, e com certeza causou e vem causando.

Nunca antes se falou tanto sobre saúde mental. Quais cuidados os pais ou responsáveis têm que ter com os filhos? Quais medidas de prevenção podem ser tomadas para não chegar a um extremo?

Hoje a psicologia tem conquistado o seu espaço, jamais visto antes. Não só a psicologia, mas todas as áreas sobre saúde mental, justamente pelo acesso às informações, e pelo grande número de pessoas que se permitiram entender a importância do cuidado com a saúde mental, buscando auxílio de um profissional capacitado. Quanto à prevenção, oriento aos pais ou cuidadores desses adolescentes e crianças, a estabelecerem um ambiente seguro e confortável para eles. Para que possam expressar suas emoções, ideias e opiniões. É muito favorável para o desenvolvimento da criança esses espaços de fala e acolhimento. A família é a principal influência na vida de uma criança. É nesse ambiente que ela se desenvolve, encontra acolhimento e tem suas necessidades atendidas.

Qual o papel da escola nesses casos?

Oriento observar e se atentarem aos sinais de alerta. Buscar sempre ouvir, atender e validar as emoções expressadas. Levantar debates a respeito da saúde mental, a fim de desmitificar essa cultura de que saúde mental é “frescura” ou coisa de louco. E com certeza, incentivar nesse cuidado. Em situações específicas como essa, oriento acionar o Samu de imediato, porque em alguns momentos, em algumas situações é indicado de imediata intervenção medicamentosa, entre tantas incertezas, não podemos negligenciar o cuidado com a saúde mental.